Erythrina mulungu Mart. ex Benth.

Sinônimo: Erythrina dominguezii Hassl.

Mulungu, corticeira, suinã, árvore-coral

Árvore armada de acúleos, heliófila, caducifólia, monoica, de até 15 m de altura. Tronco bifurcado próximo à base nos indivíduos nascidos em áreas abertas; único e reto nos nascidos em vegetação fechada; de até 40 cm de DAP. Casca espessa a muito espessa; ritidoma variando de amarelo a pardacento, suberoso, consistente, sulcado, esparsamente aculeado ou sem acúleos; casca viva de brancacenta amarelada. Madeira porosa, leve, variando de amarelada a marrom-clara. Copa umbeliforme, arredondada ou assimétrica. Râmulos aculeados, roliços, cinzentos, estriados, lenticelados. Folhas alternas, trifolioladas, com um par de nectários extraflorais na inserção dos folíolos; raque roliça a canaliculada, aculeada, de 12-18 cm de comprimento, incluindo o pecíolo; folíolos curto-peciolulados, de 8-12 x 6-8 cm, o central maior que os laterais; lâmina discolor, de 8-12 x 6-8 cm, cartácea, margem inteira, glabra ou pubescente na face inferior, ovada a elíptica, base geralmente arredondada, ápice curto-acuminado a arredondado,; nervuras secundárias salientes. Flor diclamídea, pentâmera, papilionácea, andrógina; pedicelo de 2-4 cm de comprimento; cálice campanuliforme, carnoso; corola vermelho-rosada, dialipétala, de 2-3 cm de comprimento, pétalas carnosas; androceu diplostêmone, com 9 estames conados e um livre, anteras dorsifixas; ovário súpero, estipitado, unilocular e multiovulado, base circundada por um disco. Fruto fusiforme, levemente compresso, constrito entre as sementes, papiráceo, glabro, deiscente, de 7-10 cm de comprimento. Sementes 1 a 4 por fruto, pardacentas, ligeiramnte matizadas, reniformes, lisas, duras, de 6-12 x 5-7 mm, aderidas à sutura do lado oposto da deiscência do fruto.

Ocorre na Argentina, Paraguai, Bolívia e no Brasil, nas unidades federativas da Região Centro-Oeste e nos estados de Minas Gerais e São Paulo. É  encontrada em florestas estacionais caducifólias e subcaducifólias associadas a solos eutróficos e em florestas ribeirinhas vinculadas a terrenos bem drenados.

Floresce em agosto e setembro e apresenta frutos maduros em setembro e outubro, sendo de apenas 30-60 dias o período floração-maturação dos frutos. Folhas novas novas começam a surgir em outubro.

O conjunto mais evidente de visitantes de flores de E. mulungu no Brasil Central compreende o sebinho (Coereba flaveola, Coerebidae, Passeriforme) e diversas espécies de beija-flores e abelhas. Os principais visitantes observados por Ragusa-Netto (2002, sob o sinônimo E. dominguezii) no Mato Grosso do Sul foram seis espécies de aves das famílias Psittacidae e Icterinae, as quais o autor considerou como os prováveis polinizadores da espécie na região. As sementes são dispersas pelo vento, aderidas aos frutos, que se abrem ainda nas árvores e funcionam como alas; no entanto, grande parte das sementes cai sob a planta-mãe. Uma notável quantidade de botões florais, flores e sementes em formação é predada por periquitos. Uma fração das sementes maduras é perfurada por bruquídeos (Coleptera) e outra é sugada por um percevejo (Hemiptera).

A madeira é eventualmente utilizada para confeccionar cochos, gamelas, brinquedos, tamancos e molduras; e às vezes como lenha, apesar de seu baixo poder calorífico. A casca tem alta reputação na fitoterapia popular regional, sendo usada como analgésico, antipirético, ansiolítico, anticonvulsivo, antidepressivo e cicatrizante. As flores fornecem néctar para várias espécies de aves e insetos; e são um recurso alimentar interessante para psitacídeos e veados. As sementes de frutos verdoengos são consumidas por psitacídeos. A espécie, devido ao seu florescimento massivo e altamente aprazível, e à sua facilidade de propagação, já deveria estar entre as mais empregadas em arborização urbana e rural no Brasil. Essa espécie produz grande quantidade de serapilheira todos os anos e suas radicelas hospedam nódulos de bactérias fixadoras de nitrogênio atmosférico, o que a torna altamente indicada também para recomposição de áreas desmatadas e implantação de sistemas agroflorestais.

Para formar mudas de Erythrina mulungu, pode-se utilizar estacas retiradas de ramos, explantes oriundos de cultura de tecidos ou sementes. Estas, por poderem ser obtidas em quantidades relativamente grandes em algumas regiões e serem manipuladas com facilidade, têm sido o material mais utilizado. O seu ponto desfavorável está no tegumento, que é pouco permeável à água e faz com que a germinação seja demorada e desuniforme. Os experimentos até agora realizados e a prática em viveiros indicam que esse obstáculo pode ser contornado por meio de um dos seguintes tratamentos: 1) imersão em água à temperatura ambiente por 3-6 dias, 2) imersão em água fervente por 1-2 minutos, 3) imersão em ácido sulfúrico por 10 minutos e realização de um pequeno corte na superfície oposta ao hilo. As sementes assim tratadas são semeadas de imediato, com o hilo voltado para baixo, em recipientes de 25 x 15cm, contendo terra argilo-arenosa misturada com esterco curtido na proporção de 2:1. Os recipientes devem estar parcialmente sombreados e a intensidade lumínica deve ser aumentada gradativamente quando as plântulas estiverem com cerca de 10cm de altura. As mudas podem ser plantadas em áreas ensolaradas ou parcialmente sombreadas, preferencialmente em solos profundos e férteis ou que tenham recebido adições de calcário, matéria orgânica e NPK, após análise físico-química.

E. mulungu habita áreas de preservação permanente (florestas ribeirinhas) e aparentemente possui populações em unidades de conservação de proteção integral no Cerrado, mas ocorre apenas em uma parte desse bioma, na forma de populações disjuntas situadas em formações florestais que hoje estão muito reduzidas e fragmentadas e são assoladas por incêndios e invasões de gado.

Comentário: Nos trabalhos de revisão de Araújo et al. (2012), Gilbert & Favoreto (2012) e Soto-Hernández et al. (2011), o gênero Erythrina é apresentado como constituído por espécies que possuem sementes e estruturas vegetativas ricas em compostos químicos com alto potencial de uso na indústria farmacêutica e de alimentos. Uma substantiva parte dos artigos citados por esses autores fazem referências aos compostos e às potencialidades de E. mulungu.

 

Indivíduo em pastagem em margem de floresta ribeirinha. Uberlândia (MG), 16-07-2021

Superfície do ritidoma de um tronco bifurcado e com sinais de remoção de casca para uso como remédio. Uberlândia (MG), 16-07-2021

Folhas com folíolos na face adaxial (esquerda) e na abaxial (direita). Uberlândia (MG), 25-12-2016

Cacho de iInflorescências. Nova Ponte (MG), 22-07-2020

Frutos maduros, expondo as sementes. Uberlândia (MG), 08-09-2016

 

LITERATURA
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